Exemplo de Carta Argumentativa
Uberlândia, 9 de agosto de 2000. Prezados senhores, 1 Uns amigos me falaram que os senhores estão para destruir 45 mil pares de tênis falsificados com a marca Nike e que, para esse fim, uma máq...
Exemplo de Carta Argumentativa
Crônica de Moacyr Scliar
Uberlândia, 9 de agosto de 2000.
Prezados senhores,
1 Uns amigos me falaram que os senhores estão para destruir 45 mil pares de tênis falsificados com a marca Nike e que, para esse fim, uma máquina especial já teria até sido adquirida. A razão desta cartinha é um pedido. Um pedido muito urgente.
2 Antes de mais nada, devo dizer aos senhores que nada tenho contra a destruição de tênis, ou de bonecas Barbie, ou de qualquer coisa que tenha sido pirateada. Afinal, a marca é dos senhores, e quem usa essa marca indevidamente sabe que está correndo um risco. Destruam, portanto. Com a máquina, sem a máquina, destruam. Destruir é um direito dos senhores.
3 Mas, por favor, reservem um par, um único par desses tênis que serão destruídos para este que vos escreve. Este pedido é motivado por duas razões: em primeiro lugar, sou um grande admirador da marca Nike, mesmo falsificada. Aliás, estive olhando os tênis pirateados e devo confessar que não vi grande diferença deles para os verdadeiros.
4 Em segundo lugar, e isto é o mais importante, sou pobre, pobre e ignorante. Quem está escrevendo esta carta para mim é um vizinho, homem bondoso. Ele vai inclusive colocá-la no correio, porque eu não tenho dinheiro para o selo. Nem dinheiro para selo, nem para qualquer outra coisa: sou pobre como um rato. Mas a pobreza não impede de sonhar, e eu sempre sonhei com um tênis Nike. Os senhores não têm idéia de como isso será importante para mim. Meus amigos, por exemplo, vão me olhar de outra maneira se eu aparecer de Nike. Eu direi, naturalmente, que foi presente (não quero que pensem que andei roubando), mas sei que a admiração deles não diminuirá: afinal, quem pode receber um Nike de presente pode receber muitas outras coisas. Verão que não sou o coitado que pareço.
5 Uma última ponderação: a mim não importa que o tênis seja falsificado, que ele leve a marca Nike sem ser Nike. Porque, vejam, tudo em minha vida é assim. Moro num barraco que não pode ser chamado de casa, mas, para todos os efeitos, chamo-o de casa.
6 Uso a camiseta de uma universidade americana, com dizeres em inglês, que não entendo, mas nunca estive nem sequer perto da universidade – é uma camiseta que encontrei no lixo. E assim por diante.
7 Mandem-me, por favor, um tênis. Pode ser tamanho grande, embora eu tenha pé pequeno. Não me desagradaria nada fingir que tenho pé grande. Dá à pessoa uma certa importância. E depois, quanto maior o tênis, mais visível ele é. E, como diz o meu vizinho aqui, visibilidade é tudo na vida.
Respeitosamente,
José
SCLIAR, Moacyr. A glória do falso. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1408200004.htm>. Acesso em: 24 abr. 2023. (adaptado)
Atividades
Vejam que o autor utilizou-se do gênero carta para escrever uma crônica para o jornal. Há, portanto, nesse texto, duas intenções: a primeira é a do autor que quer chamar a atenção do leitor para um problema social. A segunda é da personagem que fala no texto. Trata-se de argumentações diferentes. Considerando isto responda:
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Qual é a abordagem principal da crônica? E a da carta?
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A carta argumentativa apresenta em sua composição os elementos do discurso argumentativo. Identifique alguns desses elementos na carta lida.
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Identifique pelo menos um uso de 1ª pessoa em cada um dos parágrafos da carta.
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Na carta argumentativa, há uma interlocução explícita, ou seja, ela é destinada a um ou mais destinatários de forma específica. A quem se destina a carta lida?
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O grau de formalidade, na carta argumentativa, dependerá do nível de intimidade estabelecido entre os interlocutores. Nessa carta, a linguagem é formal ou coloquial? Justifique esse uso.
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A escolha do autor, em relação ao gênero utilizado para escrever a crônica, favoreceu ou desfavoreceu sua argumentação implícita no texto?